quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O dia em que os negros orixás chegaram à casa de Edith Gaertner

Por Sally Satler / Carla Fernanda da Silva


Foto: Sally Satler

Foi na segunda (18/11/2013), início da noite. Atraída pelo som de pandeiros eu vi, dentro da casa de Edith Gaertner, os negros orixás com suas vestes. As imagens de Congás, do pai-de-santo e ekédjis, de caboclos, pretos-velhos, oguns e iemanjá espalharam-se pelo Museu da Família Colonial.

No quintal, corpos negros jogavam capoeira, animados por músicas negras e berimbaus. Dava para sentir as entidades, negros e negras que já viveram em Blumenau, foram tantos e tantas, invisíveis aos olhos da história.

Ao meu lado, eu vi e ouvi a negra Bertilha[i], falando para Avandié[ii]:

“O nosso dia chegou, demorou demais, mas chegou. Teve que ser de mansinho e sutil. Muitos que aqui estão não conhecem nossa história, porque não nos deixaram contar”.

“Vamos gritar pra eles ouvirem, então!” – disparou Avandié, com o jornal “The Colored” em punho, bem vestido, com seu terno impecável e sapatos lustrados.

“Te assossega, homi. Senão eles se assustam! É bem devagar que eles saberãoVamos assoprar no ouvido dessas pessoas que estamos felizes e aqui queremos ficar, pois também é o nosso lugar ”.

E ao som dos pandeiros e berimbaus as pessoas começaram, timidamente, a cantar:

Foge o nêgo sinhá
Oiá iá iá ía
Traz o nêgo sinhá
Paranauê, paranauê paraná
Paranauê, paranauê paraná

Abro e fecho os olhos, quase sem me acreditar ao ver negros corpos em sua dança mágica neste jardim, há tanto tempo colonizado. Hipnotizada pelo ritmo dos corpos e da música, sinto que ainda falta muito para conhecermos a história e as memórias daqueles negros que viveram/vivem e sofreram/sofrem aqui em Blumenau.

Com a palavra, os nossos historiadores!




[i] Bertilha da Rosa faleceu em 1986, atropelada por um ônibus em frente ao Corpo de Bombeiros de Blumenau. Pouco sabemos de sua história, apenas que em algum momento de sua vida enlouqueceu, e entre os internamentos na antiga Colônia Santana, perambulava pelas ruas de Blumenau. Nunca caminhava nas calçadas, sempre nas sarjetas das ruas, falando sozinha e com uma pedra na mão, como quem tem medo da sociedade onde vive e dela procura se defender. Ela também é personagem recorrente nas obras do escritor afroblumenauense José Endoença Martins.

[ii] Avandié foi um dos principais líderes negros da região, criou em Blumenau a UCHIC – União Catarinense dos Homens de Cor, em 1962. A UCHIC ficou ativa até os anos 1980, promovendo congressos, campanhas educacionais, palestras e concursos de beleza. Também publicou o jornal “The Colored”, em edições que contavam sobre o cotidiano dos negros no continente africano.