quarta-feira, 12 de março de 2014

Mistérios da carne e do pó


A primavera está chegando aqui! Lindos dias ensolarados que lembram a minha infância. Hoje pela manhã enquanto caminhava para a universidade, lembrei de outro dia de sol, perdido em minha memória, quando formigas apressadas levavam pedaços de folhas para a sua casa. Eram de um pequeno formigueiro escondido, próximo a um canteiro em nossa antiga casa de madeira. Se nos primeiros dias pouco me importei com o árduo trabalho das pequenas, detendo-me apenas uns poucos minutos a observar, houve uma tarde que fiquei ali parada por uma hora ou mais. As formigas carregavam para o interior do formigueiro os pedaços de um inseto morto, e me permitiram pensar os mistérios da vida e da morte, da carne e do pó, e a providencial renovação do mundo.


Foto: reprodução

No dia seguinte voltei ao formigueiro, ingenuamente tentando dar nomes às formigas, tentando reconhecer pequenas diferenças individuais em meio aquela multidão. Nos livros da biblioteca da escola, pesquisei sobre o interior do formigueiro, curiosa para saber para quê levaram os pedaços do inseto e o que fariam com ele. Aprendi muito em dois dias e voltei a observá-las no terceiro, dessa vez questionada pelo meu avô paterno, que resolveu implicar com o tempo que eu estava ‘perdendo’ com as formigas, que já pensava como de estimação.

No quarto dia voltei bem empolgada da escola, pois havia encontrado um livro maravilhoso com fotos do interior de um formigueiro, e não apenas ilustrações, também com imagens de diversas espécies de formigas. Pensei que agora poderia descobrir o ‘tipo’ de formigas que eram minhas amigas. De longe, vi meu avô paterno parado diante do formigueiro, achei que ele pudesse ter se interessado pela vida delas. Mas não, ao chegar perto vi que em sua mão havia uma chaleira com água fervendo que ele jogava sobre o formigueiro. E disse-me que estava matando-as para que nenhuma criança pisasse no formigueiro e fosse picada pelas formigas. Eu era a única criança a brincar naquele canto do quintal e lembro que pensei em questionar, mesmo com medo, mas ao olhar pra ele, vi-o sorrindo e soube que era inútil. Aquele sorriso me ensinou muito sobre outros mistérios da vida e da morte, da carne e do pó e da banalidade da crueldade humana.


Foto: reprodução

Besançon, 12/03/2014

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